sábado, 22 de setembro de 2007

MÃE CORUJA


O ônibus toma o asfalto de ida, resfolegando na estrada do algodão com vontade, numa velocidade compatível, e cá dentro estou mais uma vez em busca do meu destino semanal. Ao meu lado, hoje não tem ninguém, ainda, mas à frente vão mãe e filha. Fico calado, meio que sonolento, numa manhã bonita, onde pela janela do veículo se ver uma paisagem bucólica, entre um verde que teima em fincar, malgrado sol escaldante do início de agosto. Entre um olhar na paisagem e um nas pessoas em frente, fico a imaginar quanto essas duas naturezas se assemelham: uma misteriosa pela mata fechada e seus habitantes irracionais, e outra no seu mistério feminino que encanta com suas personalidades irretocáveis.
Detenho-me nas duas e suas conversas insuspeitas. A filha envolta em lençol, devido o frio do ar condicionado, e meio que enjoada. A mãe com ar super preocupada, tenta saber o que é. A filha, sabedora de que a mãe tem aquele estilo exagerado de preocupação, tenta acalmá-la, mas com um gosto de vê-la daquela forma e diz, num tom de meninice – pela aparência ela tem seus 25 anos – que lhe falta o ar. Numa atitude de que o mundo estava para se acabar ou o ônibus por virar, a mãe levanta-se num impulso, diz que vai parar o veículo, que as duas desceriam, que não seguiriam a viagem. Mãos na cabeça, mas antes que ela chegasse à cabine do motorista, a filha chama pela mãe aos sorrisos.
Essas cenas se repetem por dezenas de vezes, e quem já estava enjoando era eu. A mãe naquele estado de misericórdia, apalpando a filha, ajeitando-a nos braços, e me vem à mente, Pietá. Pietá de duas mulheres, uma que chora, outra que rir. Não há piedade nisso, é claro, mas há abuso. Viajo, então, pelo passado de ambas e vejo um cenário de filha com seus dois, três anos. Como seria essa cena? O ônibus certamente não passaria da primeira curva e o mundo estaria em pavorosa. A mãe com a filha nos braços correria pelo corredor feito louca e os passageiros em olhares de espantos, ficariam embasbacados e sem ação.
Volto da minha fértil imaginação e sorrio sozinho. A mãe olha para mim como se adivinhasse meu sorriso e exclamou, não para mim, mas para ela mesma: “o que uma festa não faz, bebeu demais.” A filha estava de ressaca e sentia na cabeça e no corpo os maltratos da noite sem dormir e ali, bem cedo da manhã, jogava na cara da mãe o seu enjôo ainda que no balanço da viagem.
Volto à minha imaginação: noite de festa, de calores, de abraços e de amor. Viagem materna, de suores e de horror. Isso para a mãe porque a filha gozava da situação em ver sua companheira de viagem assim, envolvida por uma preocupação de mãe coruja que não deixa seu filhote sentir uma dor: olhos redondos e sentidos aguçados. Mas para nós que estamos assistindo aquela agonia em família não tem como escapar a um comentário lógico: o que uma mãe não faz por um filho ou filha, até se passar por ridícula e se deixar maltratar.
A “criança” dormiu e eu senti-me aliviado, tranqüilo o restante da viagem.