sábado, 2 de agosto de 2008

QUALQUER CANTO É MENOR DO QUE A VIDA DE QUALQUER PESSOA


Parafraseio uma parte da canção de Belchior “Como nossos pais”, para aludir sobre o meu novo tema. Se há algo a falar nessa semana, falo dos destinos, das vidas das pessoas que vão às viagens. Nessa semana, na volta para casa, sentei-me ao lado de uma jovem. Para mim uma pessoa comum, com todos os seus pareceres, envolvida pelo clima da viagem e o seu cansaço peculiar. Fui obrigado a fazê-la levantar-se porque a minha cadeira era a da janela.
“Vai mexer comigo?” – reclamou.
“Já o fiz” – retruquei, amigavelmente.
Soube, durante o curto tempo da viagem, pois o seu destino estava próximo, de que vinha da visita ao seu pai doente. Muitas vezes fechava os olhos num esforço para deixá-los acordados, tanto quanto para esconder a emoção das lágrimas que invadiam as cavidades oculares. O pai tinha já perdido um pulmão, fumara bastante, como também bebera e agora padecia em dores e sofrimento numa cama de um hospital.
Antes de ela descer, pediu-me que verificasse para ela em Juazeiro do Norte uma estátua de Nossa Senhora de Fátima, pois era devota e a sua anterior, alguém a quebrara na repartição onde trabalhava, acidentalmente.
Quando desceu no seu destino, deixou comigo a frase a que me refiro no título desta crônica. Realmente qualquer “canto” é menor do que a vida de qualquer pessoa. A vida passa rápido, mas os seus detalhes, os seus destinos, os caminhos, as curvas, as esquinas marcam cada um. Se eu olhasse cada passageiro naquele instante tinha-se uma vida para contar num sem-número de quilômetros em viagens repetitivas. Aquela mulher, portanto, tinha a sua individual, mas no momento em que repassou para mim, senti-me na obrigação de refletir e num relance momentâneo fazer-me transportar ao hospital onde estava seu pai, vê-lo, sem nunca tê-lo visto, chorar lágrimas de compaixão, dizer-lhe palavras de conforto e de que tudo sairia bem. Ter-me-ia dito a ela, mas não o fiz. Voei em supostas imagens vendo-o a perder o pulmão, nas incontáveis vezes em que fumou os milhares de cigarros e os goles das bebidas nos bares. Vi-o a criar os filhos através do enorme esforço da profissão de pedreiro, onde erguera tantas casas e delas o pão na mesa para as refeições. Cheguei a vê-lo entrar no hospital com sua dor, a sua falta de ar, o problema que comprometia o coração e as noites mal dormidas, mesmo forçadas pelos remédios impostos.
Qualquer canto, nos maiores que sejam, mesmo aqueles em que se pode medir, mesmo aqueles em que num perdido descampado, num infinito horizonte os olhos não alcancem seu fim, realmente é “menor” do que a vida de qualquer pessoa. Então, na fragilidade de vida, há um contrasenso quanto à dureza dos dias e das horas. Mas, na contramão desses mesmos dias, há a cama, a dor e o sofrimento, mas também há a alegria, o amor, as coisas boas, coisas que se precisa pensar, mostrar, realçar, revitalizar. Por que pensar na morte, mesmo sendo certa, se se deve pensar na vida, nos seus mais gloriosos dias e torná-la cada vez maior do que qualquer canto, qualquer lugar?
Avante, e que os próximos dias sejam leves, muito leves.