sábado, 3 de novembro de 2007

CRUZES NA ESTRADA


“Caminheiro que passas pela estrada,

Seguindo pelo rumo do sertão

Quando vires a cruz abandonada,

Deixe-a em paz dormir na solidão.


Que vale o ramo do alecrim cheiroso,

Que lhe atiras nos braços ao passar,

Vais espantar o bando buliçoso

Das borboletas, que lá vão pousar.”

(Castro Alves, A cruz da estrada)


Belchior, cantor cearense, tomou emprestada a epígrafe de Castro Alves acima para uma canção sua: Aguapé. Aproveito, então, da mesma epígrafe (A cruz da estrada) para abrilhantar minha observação dessa semana. O dia é de Finados, referência aos nossos mortos e tento compreender tantas cruzes pela estrada por onde passo semanalmente. No trabalho do grande poeta baiano, ele fez referência ao escravo, onde na solidão da beira da estrada ele repousa absoluto abraçado à sua liberdade. Liberdade esta da morte que lhe apossou enfim nos seus últimos suspiros.
Fazendo uma alusão nessa candura de palavras, também seguindo pelo sertão, não vou, claro, tentar tirar o sossego dos mortos que lá repousam, mas vou despertar os vivos que cá estão. Nem tão-pouco atirar alecrim, mas ao invés disso atiro-lhes esses pensamentos para tentar reparar os absurdos que acontecem nas estradas do nosso país. Porque se há cruzes na estrada, houve violência que norteou esses marcos. Atiro-lhes nos seios desses serem insepultos e abeirados uma compaixão, sem sequer saber como foi a causa da morte. Ademais não é preciso fazer uma análise ou estatística, pois os atropelamentos, os acidentes falam por si em diversos ângulos. Falam sem parar devido a inconsciência de muitos, das adversidades de cultura, dos absurdos de que o mal só acontece com o outro. Os sertanejos, mais precisamente plantam essas cruzes numa junção de dor e lembrança do seu morto, como também um alerta para os que por ali trafegam. Por mais que haja aplicação de multa, de advertência, de melhorias nas estradas, não há uma estagnação nos acidentes mortais. Quantas cruzes ali estão e que serão fincadas a cada ano?
Sim, “que vale o ramo do alecrim cheiroso”, porque dele não há mais importância. Devemos atirar mais condolências, perdão e promessas de mais prudência. Despertar, não os mortos nos seus sufrágios, mas os tais vivos que matam, que maltratam e limitam a vida de muitos. Despertar nossas consciências e sermos mais humanos e ao invés de “alecrim” se possa atirar vida e esperança.
“Vais espantar o bando buliçoso/Das borboletas, que lá vão pousar”. Aludir às borboletas como seres indefesos e coloridos aos olhos. Seres frágeis que abrilhantam e sugere-se companhia nas mais puras das solidões. Quando os carros passam, os homens passam ao largo e ao léu, as cruzes ficam para trás esquecidas, ignoradas, sem alecrim e sem paixão. Seria preciso um dia, num amontoado deles, para lembrar delas abandonadas à beira da estrada ao sol e ao sereno. Lembrar que antes havia luzes e as borboletas não tinham onde pousar. Antes havia vida e alegria e encanto e amor e sofreguidão, mas hoje somente oração.
Diminuir as cruzes seria um passo, mas bem melhor diminuir os sofrimentos de quem fica. Diminuir as atrocidades e trocar essas cruzes pela reeducação e aumentar a cultura e a consciência do homem que se esconde por trás de um volante, e quem sabe ler mais Castro Alves e ouvir Belchior nas suas interpretações bem mais motivacionais.