sábado, 16 de abril de 2011

ALIANÇA PERDIDA


Eu dormia ou tentava dormir na poltrona do ônibus já muito atrasado. Quando de repente, uma senhora ao lado, na outra fileira, despertou-me com o alarido:


- Minha aliança, perdi minha aliança!

As pessoas próximas acudiram à senhora com palavras de “como foi”, “para que lado caiu”. O alvoroço despertou-me de vez, mas não me mexi, sequer olhei para os lados. Tinha sido um dia daqueles. A espera do ônibus me fatigou, e mesmo acostumado com tanto atraso, não me sinto tão acomodado ao ponto de não querer criticar a companhia. Era um desrespeito aos usuários, sabendo-se que só havia aquela empresa para onde praticamente toda gente ia. Monopólio, volta aos séculos de exclusividades, em plenos tempos modernos, impossível.

Deixando o desassossego de lado, a voz rouca da mulher arranhava-me os tímpanos:

- Minha aliança rolou para o lado do homem aqui – e apontava para meu lado, mas não me mexi, tentava não dar ouvidos, pois sabia que encontrar uma aliança no meio de tantas pernas, de tantos bancos era quase impossível. Ademais, ao olhar de viés para a dona do objeto, vendo a situação dela, imaginei-a dentro da casa dos sessenta, e pelo visto o brilho do ouro foi-se com os anos. Então, como encontrar no escuro a peça preciosa da inconsolável mulher?

Uma senhora tentou ajudar, quase a rolar pelo chão com ajuda do filho. Procura daqui, procura dali, tentam, desistem por algumas razões: o escuro do ambiente e os solavancos do ônibus.

- Ela caiu sim pra essas bandas – indicava a mulher, sem sequer se mexer. Talvez com receio de perder o ponto onde viu a aliança sumir, talvez sem querer, pois via gente ao seu socorro, em revezamentos de uns e outros.

- Ela já deve estar perto do motorista – disse um senhor nos fundos do veículo.

Alguns riram, inclusive a mulher.

- Por favor, procurem, não posso perder a aliança.

Alguém poderia imaginar a falta que a aliança poderia causar à mulher, além do transtorno. Os vizinhos do banco atrás de mim comentaram: “Qual vai ser a desculpa em casa ao sentirem a falta da aliança?”. Confesso que ri, ali, baixinho, tanto pelo comentário maldoso, quanto pela situação: perder uma aliança no fim dos tempos, depois de longos anos de casada, era de achar graça. Mas o que não se esperava foi o comentário após a inclusão do ponto de vista de um engraçado no fundo do ônibus:

- O que irá dizer o marido quando chegar em casa?

No meio da algazarra de sorrisos, a mulher se saiu com uma que ninguém esperava:

- Ele não vai reclamar: está sob sete palmos de terra, há mais de quatro anos. Essa era a dele, a minha eu derreti e vendi o ouro.

Vão-se as alianças e os dedos que não reclamem.