quarta-feira, 26 de setembro de 2012

CARONA




Em mais uma das minhas viagens e de tantas caronas que tenho a me submeter ou a precisar, para ser mais claro, a de hoje me fixou na mente.
O carro parou. Entrei. Boa tarde a todos. Eram três; o motorista, a senhora ao lado e uma moça atrás, e depois, eu.
O carro arrancou, partiu, por uma estrada velha conhecida. Dentro um calor abafado, mesmo com as janelas abertas. Ainda um silêncio quase sepulcral entre os viajantes. O motorista de cenho fechado, de olhar fixo na estrada e sequer para os lados olhava. Decerto porque a paisagem não o interessava, principalmente nesta época do ano: cinzenta pela seca. A mulher da frente, cabeceava de sono, a cabeça atirada para um lado, sacolejava ora para a direita, ora para a esquerda, conforme traçados das curvas. Muitas curvas. A moça, atrás, ao meu lado pestanejava, fingia dormir, não se dava por mim.
Se dentro o vento que invadia era quente e irritante, lá fora o sol fustigava, fervia, queimava paisagem: árvores, pedras, seres vivos.
Vez por outra esquecia o lado de dentro, para olhar o de fora com um gosto seco nos lábios. Realmente, lá fora a cor apagada, o rasgo do céu numa luminosidade de doer os olhos, os galhos secos que se tocavam condolentes, era de doer.
O asfalto por onde o carro corria, maltratado por sinal, fazia-o pular e de se ver, pela lassidão dos meus olhos, ondas de água a fervilhar nas subidas e retas: pura hipnose de que adiante íamos desembocar num veio d’água para se refrescar.
Novamente, dentro de veículo, olhei para os três: o motorista nada falava, ninguém falava, onde todos sabiam que paisagem, sol, galhos secos, pedras, tudo fazia parte daquele cenário comum e besta. Falar o que? O ronco do veículo era mais alto; o sobiar do vento quente impedia qualquer diálogo. Olhei de soslaio para a moça. Os olhos semicerrados por trás dos óculos de fundo de garrafa. Os lábios carnudos, mal pintados de uma cor apagada. Semelhante o tempo lá fora: apagado e sem quase vida. A mulher ainda cabeceava, indiferente aos lados. O tempo pedia par isso, a idade também ou o cansaço mais ainda.
Vinte quilômetros eram o fim, e nesse tempo todo, uma sílaba sequer foi pronunciada. Quando o veículo chegou na bifurcação, eu quis que o tempo parasse, o veículo também, para que pudesse escolher. Mas quem precisa de carona, não tem como escolher. Mas semanalmente eu penso nisso, sempre pensei, porque a decisão do motorista de tomar a estrada da esquerda era a certa. Ficava mais perto para mim, principalmente nesse tempo de sequidão, de sol escaldante. Ele foi pela certa. Viva. Não pronunciei, claro, porque o silêncio não permitia. Somente o vento quente, o sol escaldante e a paisagem cinzenta: esses eram os protagonistas de uma cena enfadonha, mas necessário por demais. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

"EU ACABAREI POIS ME ENTREGUEI SEM ARTE A QUEM ME SABERÁ PERDER E ACABAR"





















.Cuando me paro a contemplar mi estado
y a ver los pasos por do m'han traído,
hallo, según por do anduve perdido,
que a mayor mal pudiera haber llegado;

....mas cuando del camino estó olvidado,
a tanto mal no sé por do he venido;
sé que me acabo, y más he yo sentido
ver acabar conmigo mi cuidado.

....Yo acabaré, que me entregué sin arte

a quien sabrá perderme y acabarme
si ella quisiere, y aun sabrá querello;


....que pues mi voluntad puede matarme,
la suya, que no es tanto de mi parte,
pudiendo, ¿qué hará sino hacello?


(Garcilaso de La Vega)

Quando o amor é muito tênue ou nele se contém apenas traços indeléveis, ou quando nele se contem apenas o nome; quando há maravilhas por trás ou paralelo se subsai os grandes dias, vale a pena. Mas quando o amor está apenas na carne e dela se nutre o espasmo, nada vai além da própria carne: o que está na vez é apenas o corpo. Mas, senão o corpo, a alma estaria vazia?
Teria o indivíduo ter que se entregar com arte a própria arte de amar? E o que é a arte de amar, senão se entregar? Mas para se entregar, seria preciso a alma, além do corpo? Seriam os dois indissociáveis por natureza, ou o homem tende a querer interpor-se para achar que os dois são um só?
Se as dúvidas cabem a quem escreve ou aquele que ler, fica-se no ar para mais mistérios. Mas amar é um verbo muitas vezes conjugado e pouco vivido. E o tempo discorre a mostrar que ele (o tempo) tem razão: pouco se espera para amar, porque o que há de mais forte é a realidade. E ela tende a mostrar-se face a face como ingrata e cruel.
Há quem diga que o tempo é curto, a vida é curta e o tempo vivido somente. Para ambos o importante é viver: amar tão somente e dele viver naquele instante. Por que cobrar, por que corrigir quando o erro faz parte de todos? Por que infringir a lei da oferta e da procura, principalmente para quem nada oferta e tão pouco se procura?
Vale a pena os passos, como vale a pena os abraços, os sorrisos, os orgasmos, o hiato e o hálito. Vale a pena tudo, porque tudo nunca se sabe. Vale a pena viver, quando a morte está sempre nos calcanhares. Caminhar é preciso e o ar é preciso, a amizade é preciso, o “amanhã” mais ainda.
Amar sim e por demais e sempre. Nesse contexto, deve-se amar a tudo e a todos, do mais simples bocejo até a um piscar de olhos. O mais simples tem que se referenciar, e dele não tornar complexo, por quê?
Complexidade faz parte dos fracos e dos que não procuram saídas para o que mais lhe aflige. Complexidade é um ritual que se mistura no âmago e vem à boca e aos outros sentidos. Nada mais.
Paradoxalmente à frase desta crônica, “não me acabarei, jamais, pois entregar-me por que, porque amar é mais do que se entregar, é entender, é nutrir, é se espalmar aos ventos e aos dias, e nesse dias farei deles arte, para ganhar e me inteirar por completo.”

“... Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...”

Fernando Pessoa (O Guardador de Rebanhos)


domingo, 10 de junho de 2012


DE VOLTA, E AGORA E SEMPRE!!!!!

UM ano sem escrever, onde eu estava... Hibernado, preguiça, sem vontade, sem inspiração? Não sei, mas agora venho para mostrar sensíveis tópicos do que vivi nesses últimos dias, tanto da parte profissional, intelectual, diária. O que vi, o que li, o que assisti, o que passei.
Nesses tempos todos, como no meu conto, intitulado “Reflexo”:

“Vivi muitas aventuras, desventuras. Passei por tempestades, tomei água de chuva, cozinhei-me ao sol.” (Reflexo)
Como também, na poesia “Tempos depois”:

Por que, depois de vinte e seis anos ainda és páginas lidas,
És um mar dentro de mim?
Por que, depois de vinte e seis anos és um livro na estante,
Onde sempre busco relê-lo, mas não faço?
Por que, depois de vinte e seis anos fantasmagoras meus dias,
Como se nunca se foi, empoeirada nas minhas ilusões?
Por que, depois de tantos anos és aquela mulher de sorriso fácil,
De meiguice que somente eu sabia sentir?
Por que, depois de tantas luas e sois ainda me lambes os pensamentos,
Como se nesse instante estivesses ao meu lado, pedindo ajuda?
Por que, depois de tantos carnavais, de tantos sacrifícios, de esquinas viradas,
Uma música toca e tu vens a cantar comigo em um só refrão?
Ah! Pura ilusão, esses anos todos, foram esses anos todos de separação,
Mas basta uma melodia, basta reler os versos, aquele livro inacabado
Que tu vens!

Por que, depois de quase duas décadas ainda me caloras o meu lado,
A estares ao meu lado na sala de tão iluminada?
Por que, depois das minhas primeiras palavras elas ainda invadem meus tímpanos,
Como se fosse hoje, aqui, nesse fim de mundo, nessa solidão?
Por que Deus meu um ser tão perto, fugiu-me de repente na escuridão,
Quando, naquele tempo, o mundo era outro e a felicidade, sofreguidão?
Por que amei tanto aquele corpo, sem necessidade de tocá-lo para senti-lo tanto,
Tanto que nem sei ao exato o que me deixava tonto, se ele próximo, ele nunca?
Por que, depois de mil léguas traquejadas o vento ainda sopra sua fragrância,
Respinga em mim água dos cabelos molhados na pressa de chegar?
Por que, depois de tantas caravanas e latidos, vejo por cima dos meus ombros o teu olhar,
Como se estivesse sempre a me perseguir mesmo para nunca me enxergar?
Por que, por que fui eu te beijar naquela ansiedade de rapaz e hoje não esqueço jamais,
Da saliva doce e da língua nervosa que invadiu meu ser?
Por que, por quê?

Por que passei tanto tempo sem escrever, re-escrever? Não sei, mas estou a terminar um novo romance com título provisório de Pão e Carne, que este ano de 2012 deve sair.

Até  breve!