segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MEUS PERSONAGENS EM COMPANHIA: CHICO APOLINÁRIO

 AS VASSOURAS SUMIRAM 

À poltrona novamente. Em uma semana por ter sido sem tantos alaridos. Nesse tempo, entre uma cidade e outra, gente que sai e entra, e fala, resmunga e ronca, tentei me encavernar, características de quem escreve. O mundo lá fora estava em pavorosa por conta das caras encapuzadas, da visita do Papa, das manifestações vindas de todos os recantos do Brasil. Eu, por dentro, também precisava sair às ruas, não em revoltas, mas para manifestar as minhas grandes ansiedades: os meus trabalhos serem publicados. Precisava, com as tantas páginas nas mãos, subir num púlpito adaptado, bradar com todos os pulmões as primeiras linhas do meu mais novo romance. Aliás, novos romances. Pela ordem: Os mortos não mentem; Pão e Carne e Alquimia.
Assim, nas minhas introspecções, e durante toda a viagem, ao meu lado sentaram tantos personagens ainda desconhecidos. Cada um veio com sua força, jeitos e vozes de muito longe. Fizeram-me companhia durante toda a viagem:
Chico Apolinário foi o primeiro, com seu jeito carrancudo. Primeiro vociferou porque não podia fumar dentro do ônibus. Precisava erguer a perna direita até o peito, mas o espaço da poltrona não permitia. Resmungou, mas enfim conteve-se. Olhou-me com olhos carcomidos, velhos pelo tempo decorrido, mas ainda penetrantes. “Olhe, não venha você me expor a contar meus casos. Esse negócio de causo, sei que sou bom nisso, mas o povo não vai querer saber dessas besteiras” Abri um meio sorriso, e ao tentar rebater o velho, ele veio com outras: “Você não sabe como é conviver com outros velhos cheios de artrites, dores, encharcos, tosses e lamentações.”
Apenas balancei a cabeça em afirmativa. Meus olhos teimavam em fechar, com gosto de sono. Mas o velho não me deixava dormir. “Olhe, seu moço escritor, um dia eu saio desse seu livro e vou por a boca no mundo. Vou lembrar-lhe, de um certo causo e que Chico Apolinário aqui não há de mentir ...”
Chico Apolinário, meus amigos, é um personagem que gosta de contar das suas. Em “Os mortos não mentem” , conto premiado, fala pelos cotovelos, mas ninguém costuma dizer se tudo é verdade ou não.
“Na venda de seu Antonio, chegou um freguês. Tipozinho com gosto de piada na língua. Pediu uma vassoura ao dono da bodega. O seu Antonio, sem muito se lembrar dos acontecidos, respondeu: Tá em falta meu rapaz. As vassouras não me vieram deixar a tempo. O rapaz saiu com essa: ‘ È mesmo seu Antonio, o presidente da Câmara de vereadores comprou todo o estoque da cidade.’

Seu Chico Apolinário? O velho baixou a cabeça e riu baixinho. Ficou só na vontade de pitar, sem puder.

sábado, 2 de março de 2013





Alquimia

“Em rápidos flashes vieram ao mundo as faces inebriantes das amadas e das ingratas mulheres da minha vida.”

Esguia
 

madalena



Maledicência






Naquelas carnes entreguei-me como um cão, a arder dentes e olhos. Depois perdi esses dentes e ceguei-me. Hoje sem a arte de roer, e de óculos de lentes graduais, não tenho ideia de como vivo. Trágico-morto. Esclareço: Madalena chegou como a chuva de verão nordestino, sem avisar. Pelo vidro do copo de cerveja, vi entrar no bar a medonha. Considero não ter visto olhos, nem cabelos, nem pernas, mas peitos, muitos peitos. Como bezerro desmamado, a mungir como bicho temeroso da morte, Madalena veio a perceber. Sorriu a desgraçada. Não sei o que ela viu em mim, pois nada tenho de especial.  Talvez o fato de olhar feito cachorro quizilento. Chamo atenção é bem verdade. Mais pela feiúra do que me resta de brilho. Madalena ficou a espreita, de olhos em mim, ou de peitos em mim? Embriagado pela espuma da cerveja, não me atrevi. Eustáquio, velho amigo de guerra, prestou atenção nesse impasse. “Não me venha dizer que vai perder.” Era melhor ter perdido, ou apostado na existência do diabo. Vi-me dançando com Madalena. Embriaguez dupla. Não me atentei pelo fato. Nenhum bêbado sabe dizê-lo, nunca tem ideias próprias, sequer pernas. Madalena sabia o que fazia. Enlaçou-me com pernas e peitos. Botou-me mandinga. Chegou a encruzilhar galinha preta e vela de sete dias. Isso depois de algum tempo. Digo mais tarde, em outra oportunidade.
Madalena como égua no cio veio. Trocamos copos de cerveja, salivas e poucas palavras. Não chamei, não foi preciso. O olhar falou tudo. Madalena, durante a noite e a madrugada não falou dezenas de palavras, apenas olhava e ria. Não puxei conversa pordemais. Lembro ter dito entre uma música e outra: “vamos dançar?”. Por isso, pernas e peitos agarraram-me. Houve tempo de inércia. Não sabia a fazer. Madalena sabia. Rodopiou-me pelo salão aos risos. Soltou-me no meio da madrugada. Desapareceu quando um homem de grossos bigodes surgiu. Lembro-me do braço de Madalena a fugir na mão direita do homem.
Desde esse tempo o bar era minha segunda casa. Nunca mais vi a medonha. O meu amigo Eustáquio uma noite me falou: “Não me venha dizer que vai perder”. Parecia um disco arranhado. Tinha perdido a danada da mulher, de seios fartos, de olhos graúdos, de cabelos alourados. Vim a memorizar seus traços tempos depois. A memória foi-me amiga. Trouxe a noite inteira nos meus braços a dançarina inquieta. Na hora não me atentei.
Certa noite, no bar quase às escuras, e entre os mesmos copos de cerveja, uma mulher entrou. Carregava consigo um sujeito, e não sei por que, não reparei bem na mulher, e ambos se aproximavam da minha mesa. O cara deixou a mulher para trás, cercou-me como quem queria tirar-me para dançar. Pediu para levantar-me. Obedeci, intrigado, e em seguida entre os olhos a dor de um soco. Se o bar estava às escuras, o mundo entrou em blackout. Antes do soco ser desferido, o tal negro disse em tom de escárnio: “Namorar minha mulher é pedir para morrer”. “Maledicência!”. Foi a única palavra que me veio à boca e aos poucos sentidos.
 


(Este é o primeiro capítulo de 04 tomos em que a história se vereda pelas quatro mulheres na vida da personagem em primeia pessoa. Será o novo romance que ainda está por acabar e espero lançar ainda este ano 2013)