quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

SOLIDÃO


Pelas sete horas da manhã, quando passo numa curva do caminho, vejo sempre uma pessoa, ao longe, numa varanda, sentada numa cadeira de rodas, em plena solidão. Muitas vezes ela olha para o ônibus que passa, outras vezes de costas a olhar para o verde do amplo quintal. Um quintal que é um campo repleto de verde, de ar, de pássaros, de brisa, de animais. Quando deixo para trás aquela cena, vem na minha cabeça aquela solidão, a cadeira de rodas e esqueço-me do tempo para imaginar a personagem e sua vida. Principalmente nesta última vez que a vi de costas, a vagar seu olhar pelo campo. Imaginei o amor perdido (perdido pelo fato da condição de paralítico), ou do acidente que ocorreu, ou da doença que a deixou assim, da amada ou do amado que está lá dentro a fazer o café da manhã ou no campo com o leite recém ordenhado. Imagino se tudo isso seria uma condição para que, no pequeno foco da minha visão, a condição de solidão obrigasse ao meu cérebro a esquecer do verde do campo e mergulhar-me na vida daquela pessoa.


E no decorrer da viagem, no transporte de minha mente, vejo aquela pessoa em pé, ou de calças ou de saia, de sorriso nos lábios a receber o bafejo do vento em seu rosto numa manhã qualquer há muito tempo a espera do ou da amada. Não sabendo ela que um dia estaria numa cadeira de rodas para sempre, a amanhecer e depender de outra pessoa para sobreviver. Perderia parte de sua vida por ter caído do cavalo, por ter adquirido uma doença degenerativa, por ter sido atropelada por um veículo, por um acidente de carro quando voltava do trabalho. E ali, ficaria condicionada aquele veículo, embora presa num ambiente soberbo, majestoso. Mas, seria uma prisão que encheria os olhos? Seria um lugar que traria esperança? Ou seria apenas um lugar qualquer que não ajudava em nada para o seu crescimento pessoal e humano?

Fico a imaginar que muitas pessoas gostariam de estar naquele ambiente, a receber a brisa sempre no rosto, a ouvir os cantos dos pássaros tão de perto, a ter um animal à vista sem se amedrontar, mas, a cadeira de rodas tracionaria a quem quer que fosse a estagnar numa vida limitada, embora a esperança fosse de que estava viva e isso era o mais importante, mediante o caso que acontecera para essa condição.

Mas, esquecendo parte desses enlevos, voltando para o cenário que sempre vejo no rápido passar do ônibus, que ali está sempre um humano que sofrera, que sofre, mas acredito que ainda sorri, ainda é feliz e é querido, amado e privilegiado, de qualquer forma.

Imagem: dumc.zip.aet/arch2007.02.25_2007.03-03.htlm