domingo, 25 de novembro de 2007

MOTORISTA DO AMOR


A partir dessa e das outras semanas retratarei sobre alguns personagens que conheço por onde ando e trabalho. Alguém pode me perguntar se o que escrevo é verídico ou apenas trata-se de literatura de ficção ou tudo não passa de embelezamento de palavras. Para vocês que me acompanham na leitura semanal não vou muito me deter ao lugar, mas ao personagem sim. Isso equivale dizer que toda e qualquer espécie de gênero literário (conto, poesia, crônica, novela e romance) precisa-se de uma imagem para que quem escreva revigore a sua imaginação.
Em pleno sertão central cearense ou em qualquer outro lugar pode-se encontrar personagem ao qual descreverei, mas ainda não pude averiguar mais de perto outro igual a esse. É muito singular ver em praças, nas calçadas, nos botecos e becos, nas esquinas e pelas estradas gente de todas as espécies, com suas características e seu jeito de ver a vida nos mais diversos ângulos. È comum se ouvir dos jovens de hoje respostas evasivas sobre os seus sonhos e seus anseios em relação ao que se quer dela. É comum ouvir de respostas ou de comentários desses jovens e de adultos sobre política ou economia ou cultura que se esvaziem as palavras de forma tão rápidas. Mas não é comum ouvir de um taxista fincado nesse sertão, que talvez nem tenha ouvido falar de Sócrates ou Platão ou Luiz Marins ou Marx Gehringer sobre o atendimento a seus clientes. Talvez seja comum a muitos levarem seus clientes a motéis e a diversos lugares proibidos de forma sigilosa e só a eles – motorista e passageiros – se guardam o destino e as ações vindouras.
Fico no que é demais sublime sobre o comentário primeiro: o conhecimento que o mesmo tem sobre o tratamento a seus clientes. Homem de boas palavras, de sorriso fácil, de poucas letras, de uso de boné, de barba à la Lula, e uma devoção pelo Padre Cícero e uma jaculatória incansável sobre “meu Deus.” Religioso por demais, todo dia 20 do mês veste-se de luto pela alma do Reverendo do Nordeste e vai sempre à missa. Em cada dez palavras, a expressão Meu Deus está em nove. O táxi é a sua empresa móvel, onde os passageiros clientes vips que nutrem de uma boa e salutar conversa e um tratamento de fazer inveja a qualquer um. É daquelas pessoas que não deixa o cliente na mão, abre a porta do carro, deixa o cliente a vontade e sabe, por uma experiência de vida que é preciso estar limpo, perfumado, bem vestido, medidor das palavras que lhe saem da boca, reverenciador, ético. Nunca percebi que leu um livro sobre motivação, programas de qualidade, economia, quais os procedimentos para atrair um cliente comum e um em potencial, essas teorias que vieram do pós-guerra até os dias de hoje sobre essas questões: ele consegue em todos os pontos decifrar, sentado ou acompanhando o passageiro, detalhes para não perder o seu ganha-pão. Parece, à primeira vista, que decifrou as entrelinhas de um bestseller sobre “como dirigir um táxi em pleno sertão” para ser um motorista com diferencial. Ele sabe disso, quem o disse, quem lhe chamou atenção, senão o próprio ou um cliente mais avançado, incomum. É tanto que um cliente lhe alcunhou com o que ficou mais conhecido em Senador Pompeu: Motorista do amor. Motorista que não se conhece em qualquer lugar e amor pelo seu carisma, sua maneira de tratamento, pela discrição nas conversas e na condução a lugares que necessitam da interpretação da imagem dos três macacos sábios que Gandhi sempre levava consigo: não vejo, não escuto e nem falo. Por causa disso muitas esposas, esposos, namoradas e namorados o vêem com outros olhos, mas nada podem fazer: é seu ofício, seu trabalho que dita normas e um passageiro é um passageiro.
“O meu Deus e o Padrinho Padre Cícero que me abençoem sempre e a você bom trabalho e vá com Deus, meu irmão.” Despede-se no final.