C_Anchieta Mendes |
TEMPOS DEPOIS
Por que, depois de vinte e seis anos
ainda és páginas lidas,
És um mar dentro de mim?
Por que, depois de vinte e seis anos és
um livro na estante,
Onde sempre busco relê-lo, mas não faço?
Por que, depois de vinte e seis anos
fantasmagoras meus dias,
Como se nunca se foi, empoeirada nas
minhas ilusões?
Por que, depois de tantos anos és aquela
mulher de sorriso fácil,
De meiguice que somente eu sabia sentir?
Por que, depois de tantas luas e sois
ainda me lambes os pensamentos,
Como se nesse instante estivesses ao meu
lado, pedindo ajuda?
Por que, depois de tantos carnavais, de
tantos sacrifícios, de esquinas viradas,
Uma música toca e tu vens a cantar
comigo em um só refrão?
Ah! Pura ilusão, esses anos todos, foram
esses anos todos de separação,
Mas basta uma melodia, basta reler os
versos, aquele livro inacabado, o disco de vinil ralado,
Que tu vens!
Por que, depois de quase duas décadas
ainda me caloras o meu lado,
A estares ao meu lado na sala de tão
iluminada?
Por que, depois das minhas primeiras
palavras elas ainda invadem meus tímpanos,
Como se fosse hoje, aqui, nesse fim de
mundo, nessa solidão?
Por que Deus meu um ser tão perto,
fugiu-me de repente na escuridão,
Quando, naquele tempo, o mundo era outro
e a felicidade, sofreguidão?
Por que amei tanto teu corpo, sem
necessidade de tocá-lo para senti-lo tanto,
Tanto que nem sei ao exato o que me
deixava tonto, se ele próximo, ele nunca?
Por que, depois de mil léguas
traquejadas o vento ainda sopra sua fragrância,
Respinga em mim água dos cabelos
molhados na pressa de chegar?
Por que, depois de tantas caravanas e
latidos, vejo por cima dos meus ombros o teu olhar,
Como se estivesse sempre a me perseguir
mesmo para nunca me enxergar?
Por que, por que fui eu te beijar
naquela ansiedade de rapaz e hoje não esqueço jamais,
Da saliva doce e da língua nervosa que
invadiu meu ser?
Por que, por quê?