quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

VERDE PAISAGEM


Da janela do ônibus, vejo uma paisagem diferente que me enche os olhos. Eles custam a crer que aquele verde seja tão profundo, ao ponto de tentar empertigar mais ainda para sentir que “dói” como uma coisa boa para se ver. Uma paisagem de encher a alma de algo sublime, sobretudo quando esse cenário se sabe que logo perderá sua cor.
Imagino a alegria estampada no semblante do homem do campo, ao amanhecer, abrir a portão do oitão e estender a vista pela vastidão do verde. Um verde tão forte, incapaz de sair das suas retinas e que lhe aumenta as esperanças de dias melhores. Quão provável seria tentar adivinhar o que se passa na mente desse homem, plantado na soleira da porta, com as mãos na cintura, resplandecente sua alma, fácil de notar pelo clima em volta, embora difícil de acompanhar os tantos pensamentos sobre tudo que o envolve.
Viajo vendo um tapete envolvente, igualmente uma satisfação peculiar do homem do campo com suas ferramentas de trabalho, coberto muitas vezes pela densidade do mato, abraçado aos capins, boquiaberto com os animais nos pastos, até acompanhando os trilhares dos cantos dos pássaros. Tudo é festa desmedida ou não, contida ou não, mas com absoluta certeza esperançosa, buscada, mendigada pelos tantos sofrimentos sentidos, rebuscada a cada palmo de chão, a cada nuvem enegrecida, a cada sopro de vento mais fresco, a cada pingo e respigo de chuva. Sim, festa do campo, que de braços longos e fortes abrem-se a um convite aos olhos àqueles que passam ao largo.
Por essa mesma paisagem passei tantas vezes e não me lembro de vê-la tão bela, tão emergente aos todos os sentidos, e muito mais incrível a se perder de vista, acobertada por densas camadas de névoas nas copas das serras.
Vejo animais com esses mesmos sentidos, exclusivamente, onde no farfalhar das asas dos pássaros, no galope dos burros, no trote curto dos jumentos, nos vôos lépidos das aves de rapina, tem um ar de beleza, de imponência natural.
Cercados pelos lados, há açudes, riachos, poças d´água das recentes chuvas e um espelho que confunde céu e a lâmina da água. È de crer a inconfundível soberania dela que corre livre, levando seus peixes, suas algas. Nesse momento lembro-me da poesia, novamente de Fernando Pessoa: “O Tejo é o mais belo rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”.
Os rios estão ali livres, de ninguém, porque, independente do seu batismo, eles são os mesmos, soltos, febris, incólumes em busca dos mares, como se buscassem mais liberdade, mais profundidade, enfim.
Faço essa analogia para enaltecer mais ainda esse chão nordestino, quando se está banhado pelo musgo inconfundível da seiva que sustenta esse homem bravio, de aspecto inabalável, de fortes alternânças para a busca do melhor a cada dia.
Vejo o homem na porta do oitão e o ônibus que passa resfolegando é apenas um ônibus que passa. Para ele, o homem, aquele verde não é apenas um verde qualquer, mas a perfeição do Criador plantada até a última raiz de vida.