terça-feira, 18 de novembro de 2008

ENCANTADO




Seguindo pelo rumo do sertão, ladeado pelos farfalhar das asas da arribação e do carcará, esta semana fui a estes sabores. Ao longo desta crônica serei enfático, repetitivo, porque encantado fiquei com o lugar. Minhas retinas, ainda não tão fatigadas, se encheram de pedras, de monólitos e de um fragor de cinza que muito delas não há de saírem. Também convoco minh´alma para saborear desse enlevo e com a minha carcaça e todos os outros sentidos também se deliciarem. Se o mar é tão maravilhoso aos olhos, essa paisagem é encantador a eles.
Na tentativa de entrevistar pessoas do setor de saúde, em Quixeramobim, fiquei com gosto na boca e de inveja por não ter que todos os dias por essa paisagem passar. Tudo que envolve os monólitos, envolve também o lugar, as gentes, os bichos, os pássaros, a imensidão do céu.
Encantado é um lugar petrificadamente encantado. Se há lugar semelhante eu não conheço. Passamos no roçar das rochas únicas, indelicadamente imóveis, fixamente invariáveis e apaixonadamente soberbas. Os caminhos que levam o menor dos seres àquele lugar são tortuosos, porém majestosos. Caminhos onde os galhos secos inclinam-se sobre as pessoas na iminência de abraçá-las, de segurá-las e dizer-lhes: bem-vindos. São galhos, pela época, que lógico ficarão verdes, que parecerem se mover, como aqueles filmes de terror, de braços esguios, balançando-se na passagem e quase a nos seguir. Não tem cores, como no arco-íris, mas tem cor única e que nos diz de prontidão quão maravilhoso é tudo ao redor. Fala-nos a cada curva, a cada roçar de galhos, e na proporção que as rochas se aproximam, lentamente, elas vão nos dando a certeza plena e absoluta de que somos seres pequenos e indefesos. A monstruosidade das rochas nos fala que devemos ser humildes e coerentes conosco e com quem nos cercam. Diz-nos que não precisamos e nem devemos fechar os olhos ao cenário incólume da sua formação e nem passarmos despercebidos à grandiosidade da natureza. Ah! Mas como passar por ali sem avistar tamanha grandeza, mesmo os cegos enxergariam, não a luminosidade, mas o sabor dos ventos temperados vindo delas.
Encantado, quem pôs esse nome ao lugar foi feliz em assim fazê-lo. Como foi interessante a idéia de se usar uma das dezenas de rochas, como um abrigo para a reunião de pessoas em torno de uma bebida e de encontros. Usou-se as duas naturezas: a da inércia dos monólitos e a vanguarda da mente humana. Não colocaria aqui a questão ecológica, mas a preservação do lugar, sim.
Encantado fiquei e tentarei sentir mais vezes, mesmo nessa minha crônica, como nas imagens ou de longe, o sabor de que as rochas não são apenas rochas, mas uma delicadeza de um dedo indubitavelmente poderoso que ali pôs em cada palmo, em cada molde.
Que o povo do lugar e aqueles que ali visitam e passam e ficam, levem consigo a certeza de que Deus existe e nós temos apenas que reverenciar e sentir de perto a sua imensa grandeza.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

FINADOS




Se há uma cidade peculiar para FINADOS, chama-se Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero e de tantos outros cíceros atuais e vindouros. O sol de início de novembro castiga todos os vivos e esquece todos os mortos. Os vivos que peregrinam pelas terras santas, agora refletem na alma o gosto agridoce na reverência aos seus mortos, aos seus entes queridos, ao passado imorredouro.
Que sol é esse que castiga, que maltrata, que faz com que os vivos busquem água, como se estivéssemos num deserto, enquanto que sob chapéus de palhas e pelos dedos que debulham os rosários se tem a impressão de que o fim do mundo está próximo? São nessas horas que se passa pelas nossas cabeças a idéia de fim de mundo, ou da certeza plena que outros Finados virão e que faremos parte de uma nostalgia comemorativa.
Sempre nessa época vejo a cara da nossa cidade com tantas outras que vêm em busca da “salvação”, da terra prometida em tempos de se clamar pelos que já se foram, como se nós nunca lá chegássemos. Vejo, pela periferia dos olhos um cenário de sol, castigo e muitos benditos. Mas, incrivelmente, vejo um amontoado de comércio que busca sobrevivência nas lágrimas dos outros. São miçangas, rosários, santos, redes, correntes, indumentárias, tudo que leva a crer que mortos nenhuns se beneficiariam com tais comercializações. E onde se encontra a verdadeira devoção pelos mortos?
Negócios à parte, é um mar de gente vindo de todo o Nordeste, em todos os veículos imagináveis, confortáveis e desconfortáveis. São cabeças e sentenças que pisoteiam o chão do Cariri numa busca incessante da redenção. Vendo, assim do alto, não se distingue quem é quem na multidão, mas se sabe que o romeiro tem sua peculiaridade: os trajes, os olhares de ansiedade, os gestos, a fila indiana. Sabemos o que ele busca, e a temeridade que se tem, é que talvez custe ainda em encontrar. Os tempos mudaram, os ares são outros, a cidade é a mesma, mas as pessoas mergulharam num mar de vanguarda que o sacro anda ao longe. Salva-se, ainda, o pau-de-arara, aquele carro antigo e suas carrancas, e as indumentárias religiosas pintalgadas aqui e ali. Salva-se a fé, embora ainda encontrem uns benditos perdidos entre uma miçanga e um copo d´água. Falta nesse tempo de finados um quê de chamar a atenção de quem morreu e deixou seu marco fincado nessa terra de homens, santos e pecadores.