segunda-feira, 15 de outubro de 2007

AMOR POR UM DIA


De tantas viagens feitas semanalmente, houve uma que para mim foi novidade. Fui fazer um trabalho em Sobral, terra de Renato Aragão e do cantor Belchior, para citar os que acho formidáveis. Uma viagem cansativa, devido o meu curto tempo. Chegar numa segunda-feira, fazer o trabalho durante o dia e voltar no início da noite. Viagem de mais de 1.000 km, ida e vinda.
No ônibus muita gente simples, como eu, e romeiros que iam fazer sua peregrinação em Canindé, e uma pessoa me chamou a atenção, tanto na ida como na volta. Mais precisamente na volta, até porque foi nesse período que descobri sem perguntas e sem abrir sequer a boca, a ida dessa mulher à Sobral.
A viagem foi tranqüila, mas não consigo dormir direito, pois a cada freada brusca imagino coisas terríveis. Não sei por qual razão a gente pensa muita besteira, talvez pelo fato de ficarmos mais experiente ao avançar dos dias e os nervos vão ficando mais aos frangalhos. Muitas vezes vejo crianças nessas viagens e as invejo pela tranqüilidade, pela inocência no seu olhar. Jamais passam pela suas cabeças um desastre, um acidente simples ou fatal. Dessa vez não vou me jogar nas mentes delas porque assim fazendo uma simples crônica semanal como essa não terá espaço de tantas coisas lindas que teria que colocar aqui.
Em Sobral vi que o clima da cidade é muito quente, até porque início de outubro tem essa peculariedade do interior nordestino. Fiz o trabalho, conheci o centro da cidade e até deu tempo assistir a um filme no cinema local. Duas salas de exibição e a película, um suspense, me ganhou a confiança e assisti ao filme sozinho, numa sala que parece ter sido reservada só para mim.
De volta ao ônibus, vejo a mulher do início da viagem. Suas características: jovem, bonita e intranqüila, peculiar de quem é jovem e da condição porque foi até ali, como eu, só que com outro objetivo. O dela, ver o marido. No celular em que recebeu a ligação disse que tinha esquecido o lençol, lembrança devido o frio que fazia no ônibus, antagonicamente ao clima lá fora. Achei interessante a viagem dela em busca de braços e carinho, nem que fosse por um dia. Pergunto a mim mesmo se tinha valido a pena, e me vem à mente a frase imortal do poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.” Sim, tudo vale a pena para ver a quem ama, nem que seja no fim do mundo, e o que tem numa distante de 1.000 km que separe dois amores? Dizem que a distância separa nos seus dois sentidos, talvez por isso essa busca incansável da esposa para ver o marido, despi-lo em todos os sentidos e ver sua alma, na brancura do dia e na escuridão das horas. Por isso também há aquele gosto saboroso de matar a saudade e o amor ser feito com mais gosto, onde se foge da rotina, do dia a dia desgastante. Rever a pessoa querida depois de muito tempo e se um dia não deu ainda para matar a saudade, pelo menos estreitou com gosto o amor febril. Um dia passa muito rápido, mas se nesse período os dois vivessem intensamente as horas, paulatinamente esvaindo-se pelos dedos, cabelos, suores e janelas, seria um dia que ficaria marcado nas suas vidas e tudo que fosse de mundano, tudo que fosse de tristeza e tudo que fosse pequeno, nada seria mais importante de que os dois corpos num só.Tenho a certeza absoluta de que a viagem de volta, para ela, foi uma das mais significativas, mesmo esquecendo do lençol que lhe tiraria o frio e lhe deixaria a lembrança da fragrância do amor no quadrante do tecido.
Obs.: foto que sugere certa posteridade, como deveria ser um casamento.