sábado, 13 de setembro de 2008

MALEDICÊNCIA, NECESSIDADE OU NÃO


“Antes de falar – manda o bom senso – tende o cuidado de examinar se aquilo que ides dizer satisfaz a estes três requisitos: ser verdadeiro, agradável e animador; do contrário, deixai-vos ficar calado.”
Na última crônica, falei sobre “sueño com serpientes”, e por incrível que pareça, estava sentindo algo no ar. E agora, nessa semana, observo um título um pouco mais interrogativo e coberto de uma camada de pessimismo que sei onde foi parar. Nessas linhas emparelhadas e nas entrelinhas deverá haver uma dor pungente, entrecortada por um gosto amargo na boca, pensamentos tempestuosos que não conseguem deixar de vir à tona, muitas e muitas vezes.
Devo, é bem verdade, deixar no ar várias perguntas, talvez sem respostas, ou com elas de bate pronto, mas sem deixar cair a sutileza. Quem não é maledicente? Eu, que vos escrevo, que busco entre as palavras saídas para o meu desabafo, a saber se você gosta ou não do que escrevo, do que tento passar como mensagem, quando você ainda está no trabalho, e na folga das horas, entra no blog para saber algo mais? Você que sente no companheiro de trabalho que ele(a) lhe olha com outros olhos, não os de paixão, mas os de inveja, de raiva? Você que tem um(a) companheira(a) que nunca desconfiaria de nada, de que a pessoa nunca lhe trairia, seja de que maneira for? Você que se olha no espelho por mais de uma hora, com a tenaz desconfiança de que o vestido não lhe cai bem, a saia, o short, os óculos, os cílios, o batom ou até mesmo o perfume? Você que enxerga no próximo uma coisinha a mais em que ele deve estar mentindo, se saindo com palavras vazias, evasivas, sem fortaleza, sem vida? Quem não é maledicente quando o que nos aparece deixa rastros de coisas que nos faz desconfiar?
Somos maledicentes por estas e outras tantas razões. Querem ver, vejamos: somos, primeiramente egoístas e prontos para viver de uma forma individual, e que estamos em família por pura necessidade, e tantas vezes queremos ficar a sós. Às vezes temos medo da solidão por ela ter uma malícia que nos come sorrateiramente, pois ela carrega no todo um invisível dragão; temos a pura necessidade de estarmos em companhia de alguém por uma questão de sobrevivência (muitos não conseguem sobreviver sem uma companhia, por mais que ela lhe diga tantas vezes “não”); a pura maledicência está na mulher por ela desconfiar até no que veste, daí a razão de uma hora na frente do espelho para apenas colocar um vestido e uma pulseira (tudo tem que combinar), e a combinação das mulheres tem que ser em tudo.
Somos reais maliciosos, porque a malícia nos chama, custe o que custar, não importa o dia e nem a hora, mas ela sempre está nos nossos calcanhares.
No dia a dia, desconfiamos de tudo e até da própria desconfiança. Se nos passam um troco a mais ou a menos; se alguém lhe diz obrigado, ou lhe joga um sorriso, ou lhe chama de querido. Está por trás de tudo a malícia dos dias de hoje, porque o ser humano é um bicho de sete cabeças, um lunático, de outro mundo e coberto de indecisões, de malquerença, de desrespeito, de covardia. E esses problemas não estão longe de nós, mas bem perto, muito perto.
Mas, infelizmente, temos que viver com tudo isso, até não sei quando. Temos que matar um leão por dia ou toda uma selva selvagem para chegarmos doutro lado são e salvos, com ou sem maledicência, imaculados ou pecaminosos, anjos ou demônios.
Gostaria, nessa semana, passar um adocicado gosto nas palavras, mas não dá, não estou com jeito para isso, porque minh´alma tenta voltar ao seu sonho de ouro de uma forma ou de outra, pois o meu corpo a sacode hora a hora para alertá-la de que o perigo ainda não passou e o mal pode estar por vir, a galopar nas asas da graúna, preta de maledicência.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

SUEÑO CON SERPIENTES


(...)
Esta al fin me engulle
Y mientras por su esofago paseo
Voy pensando en que vendra
Pero se destruye
Cuando llego a su estomago
Y planteo con un verso
Una verdad
(Milton Nascimento e Mercedes Sosa)

Sonhar com serpentes tem sido tantos ultimamente. Parte de uma música de grandes vozes da América Latina me cai bem nesses últimos dias. Não parto da idéia antiga de um faquir, em engolir espadas, ou de um encantador de serpentes indiano. Faço das letras latinas para, ao som de um baixo que enche a alma, refletir sobre serpentes. Engoli-las, deixando passá-las pelo esôfago e no estômago deixar que elas se aninhem. Evacuá-las seria o natural, mas não. Há uma verdade nisso tudo, uma verdade de chamar a atenção desses sonhos terríveis, mas real. A verdade está nas serpentes, nos dias nebulosos, das conversas de cortar os outros, da mesmice repetitiva, fortemente reverente.
Sonho nº 01: serpentes envolvidas nos pescoços das vítimas, estas que acham que o mundo tem saída, uma vez de tantas catástrofes, de gelos tornando-se água, de animais sendo extintos;
Sonho nº 02: dentro das urnas e fora delas, serpentes das mais variadas, de línguas bifurcadas, terríveis e intrigantes;
Sonho nº 03: serpentes com línguas tiranas, vinda das mulheres, que serpenteiam pelas calçadas, pelos caminhos mais tortuosos e estão dentro de casa.
De todos os sonhos, vale ressaltar versos para amenizar esses temas tão frívolos, audazes, intolerantes. Estamos sempre cercados por pessoas que cortam os outros, que não param de falar dos outros, de incomodar-se com a vida dos outros, mas as catástrofes nem tanto. O pesadelo é bem mais distante, embora quero mostrar que ela de vez por outra acontece, em pequena escala, é verdade.
Aquele segundo nos mostra, não poeticamente, mas em prosa, de que essas serpentes sempre estão vivas, sorrateiras, num indo e vindo em busca de botes, de presas, de sangue.
O terceiro faz parte da gente, de um dia a dia em que quem tem a mulher ao lado, lambe-se nas suas escamas, e nunca a deixa.
Sueño com serpientes, num espanhol cantado a duas vozes enche-me a alma, acompanhado de um baixo fabuloso, penetra nos meus tímpanos, mas me dá uma conotação de desabafo nesses dias difíceis.
Serpentes se tem por todos os lados, até por dentro, e temos que engoli-las, infelizmente, a gosto e a contra gosto, mas um dia, quem sabe, teremos que evacuá-las, até porque poderão incomodar, maltratar, desumanizar.