quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SOTERRADO VIVO


Hoje tive vontade de escrever a vocês sobre um assunto simples, mas que achei que poderia fazê-lo. Quando estou, sempre, semanalmente em duas noites em Senador Pompeu, deitado numa rede, ora escrevendo, ora lendo, ora a hibernar pensamentos de olhos abertos para as telhas, temo cair nos meus olhos tijolos de barro. Sim, todas as coisas que tem na casa em rápidos segundos, depois de limpos, logo estão empoadas: livros, roupas, televisão, laptop... Eu.
Por isso a idéia do soterrado vivo. O medo que me dá é de acordar um dia, de dentro da minha rede, e a areia está até no meu pescoço, ou de todo encoberto. Persegue-me a terrível hipótese, um dia, de um cataclismo cerebral, e eu de olhos abertos, porém morto, estagnar-me na rede, com um teclado nas pernas, um texto por terminar e o pó do telhado, aos poucos, iniciar a me soterrar. Sem que eu nada possa fazer, o pó inicia seu trabalho, enquanto os outros objetos já estão quase soterrados. Lá na porta ninguém a bater, sem se dar conta que existo, achando que fui embora, que não há ninguém na casa, por um silêncio agoniado, só se ouvindo um pequeno som de algo batendo, de leve, em cima de um saco plástico e nada mais. Um som suave de algo batendo num saco plástico que pode está em algum lugar na casa, somente. Nada da existência de um ser humano, deitado numa rede, que se sentiu mal, está de olhos abertos, vivo-morto, recebendo na cara grãos e mais grãos de um pó das telhas, que a princípio, inofensivo, que até faz parte do cardápio dos senadorenses. Sim, por que não? Acredito que ninguém se dá o devido parecer sobre a idéia incontestável de que grãos e mais grãos caem a toda hora do telhado em cima, não só de móveis e cerâmicas, mas nos pratos que estão a espera dos que vão à mesa para o almoço e a janta. Demorou? Os grãos estão lá, fazendo parte de um cardápio que não está escrito, mas com certeza está lá. Quem sabe alguém não já se deliciou com o triturar de areia junto com pão, bolo, arroz, feijão.
Por isso, não quero viver soterrado, tenho que levantar-me e andar e espalhar esses grãos por outros vãos. Os senadorenses estão acostumados com o pó dos telhados, desde os tempos da seca e da cólera.