Esquecer-se da morte e dos mortos é prestar um péssimo serviço à vida e aos vivos. (Philippe Áries)
Uma mulher entrou no ônibus, de luto fechado, ou pelo menos toda vestida de preto. Não quis me envolver no que representava aqueles trajes, mas não pude deixar de perceber que meus pensamentos alçaram vôos e foram de encontro ao significado do preto. Lembrei-me rapidamente, como bom juazeirense, do preto que se veste em todo Cariri e várias cidades do Nordeste, nos dias 20 de cada mês pela alma do Padre Cícero. Lembrei-me também, segundo conta-se a história, quando da morte do mesmo em que não havia mais tecido da cor do luto e o povo pintava outros com a cor preta, extraída de lama ou de sumos de árvores. Ninguém queria outra cor, como também não se via outras nos quatro cantos de Juazeiro.
Olhando a mulher sentada noutra fila, mergulhada na negritude do vestido, veio-me à lembrança de que nos dias de hoje não se veste luto fechado por memória de ninguém. Seria o tempo, a rapidez do mesmo em desmemoriar nossas memórias dos que passaram por nós? Seriam os dias que nos naufragam e fazem nos esquecermos dos mortos ou seriámos nós mesmos que repudiamos a cor da forma que se veste e se pinta? Sabe-se que a cor preta hoje é moda, ou se deve ir juntar-se à interpretação do poema de Fernando Pessoa num trecho em que fala que só lembramos dos nossos entes mortos somente até o sétimo dia, pois tudo o mais é passageiro.
Nesse místico de verdade e fantasia, o preto não é apenas luto, mas uma cor que encobre sentimentos, amortece calor, transpira inspiração. O preto é belo, quanto que a mulher ali bem ao lado é apenas uma vaga imagem metida nele, até porque ela não era bela, mas o preto sim.
Mas devo voltar à mulher e ao preto do vestido. Devo também verificar que é de pesar alguém ainda se manifestar á sociedade a sua dor por intermédio de uma cor: dor pela perda, imaculada ferida contida na alma, sem sexo, sem nexo, sem razão. Dor de perda, de sentimento dolorido, de futuro incerto, de ausência aos lados, de noites mal dormidas, insônias perfeitas, sonambulismo inapropriado. Tudo que se passa ao largo são os olhos do falecido, são as falas do falecido, são os perfumes que inebriavam. Tudo que se move, que se tange, que se diz, ele fazia da mesma forma, comia da mesma iguaria, ria dos mesmos risos, maldizia da mesma mazela.
Espero um dia encontrar essa mesma mulher e creio eu que se houver uma cor preta nela deve ser apenas a dos cabelos, pois o vestido já deve estar roto, pois traças se embrenharam nos seus fios. Os olhos, as falas, os perfumes, as iguarias, os risos agora serão outros com toda certeza.
Uma mulher entrou no ônibus, de luto fechado, ou pelo menos toda vestida de preto. Não quis me envolver no que representava aqueles trajes, mas não pude deixar de perceber que meus pensamentos alçaram vôos e foram de encontro ao significado do preto. Lembrei-me rapidamente, como bom juazeirense, do preto que se veste em todo Cariri e várias cidades do Nordeste, nos dias 20 de cada mês pela alma do Padre Cícero. Lembrei-me também, segundo conta-se a história, quando da morte do mesmo em que não havia mais tecido da cor do luto e o povo pintava outros com a cor preta, extraída de lama ou de sumos de árvores. Ninguém queria outra cor, como também não se via outras nos quatro cantos de Juazeiro.
Olhando a mulher sentada noutra fila, mergulhada na negritude do vestido, veio-me à lembrança de que nos dias de hoje não se veste luto fechado por memória de ninguém. Seria o tempo, a rapidez do mesmo em desmemoriar nossas memórias dos que passaram por nós? Seriam os dias que nos naufragam e fazem nos esquecermos dos mortos ou seriámos nós mesmos que repudiamos a cor da forma que se veste e se pinta? Sabe-se que a cor preta hoje é moda, ou se deve ir juntar-se à interpretação do poema de Fernando Pessoa num trecho em que fala que só lembramos dos nossos entes mortos somente até o sétimo dia, pois tudo o mais é passageiro.
Nesse místico de verdade e fantasia, o preto não é apenas luto, mas uma cor que encobre sentimentos, amortece calor, transpira inspiração. O preto é belo, quanto que a mulher ali bem ao lado é apenas uma vaga imagem metida nele, até porque ela não era bela, mas o preto sim.
Mas devo voltar à mulher e ao preto do vestido. Devo também verificar que é de pesar alguém ainda se manifestar á sociedade a sua dor por intermédio de uma cor: dor pela perda, imaculada ferida contida na alma, sem sexo, sem nexo, sem razão. Dor de perda, de sentimento dolorido, de futuro incerto, de ausência aos lados, de noites mal dormidas, insônias perfeitas, sonambulismo inapropriado. Tudo que se passa ao largo são os olhos do falecido, são as falas do falecido, são os perfumes que inebriavam. Tudo que se move, que se tange, que se diz, ele fazia da mesma forma, comia da mesma iguaria, ria dos mesmos risos, maldizia da mesma mazela.
Espero um dia encontrar essa mesma mulher e creio eu que se houver uma cor preta nela deve ser apenas a dos cabelos, pois o vestido já deve estar roto, pois traças se embrenharam nos seus fios. Os olhos, as falas, os perfumes, as iguarias, os risos agora serão outros com toda certeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário