domingo, 25 de outubro de 2009

NOSSA MÃE DEZINHA


A morte sempre é cruel e nunca desejada. Por mais que ela seja esperada, e ninguém espera, e mais reconfortável quando na velhice. Toda e qualquer pessoa não pensa nela, e paralelo toca-se a vida por mais tépida, por mais frívola, por mais chata. Quem não teve um ente querido que se foi e nós, vivos, na frugal esperança de que nos veremos no paraíso?

Dia 20 de outubro foi o dia. Nossa genitora, depois de 84 anos, fechou seus olhos, apesar dos mesmos antes vivos, porém ausentes, estarem mortos para nós, os filhos, parentes e amigos. Perder uma mãe, em qualquer que seja o tempo, ou na tenra idade ou no ápice dela, é inconsolável.

Nossa mãe, infelizmente, acometida do mal de Alzheimer, durante 12 anos, penetrou numa penumbra progressiva e fechou-se no seu tempo e lugar. Palpitava seu coração, seu sangue dos Franças, mas não sentia, não via. Respirou por bom tempo os ares de Aurora, acolhida por aquela gente, embora sempre desejasse enterrar-se em Juazeiro do Norte. E assim se deu.

Nossa mãe, depois de fechado os olhos, estampou no semblante a carne da velhice, a delicada senhora que em vida não tinha vaidade, e não me lembro muito de que nos seus lábios batons avermelhados analtecessem, ou ruges nas faces, ou brilhos nos cabelos, ou roupas espalhafatosas ou unhas irremediavelmente pintadas. Lembro-me bem do seu sorriso, do seu jeito peculiar de ver as pessoas, de tratá-las, de pregar a palavra de Deus. No seu semblante ainda dava para ver as rugas serpenteadas de uma vida bem vivida ao seu modo, ao lado de um homem que soube entendê-la, que soube enaltecê-la. Rugas cravadas de uma vida cheia de alegria, apesar de alguns anos no sofrimento econômico, no quase impossível para educar os filhos, alimentá-los, mantê-los. Rugas de uma mulher batalhadora, de uma companheira solidária, de uma mulher de fé que mapeou quase todas as ruas e casas de Juazeiro de uma época em "tirar a Renovação", levar os santos nas casas, milhares de novenas. Não dava para ver seus joelhos revestidos de roupas e flores, mas eu os sabia, pois neles ainda estavam marcados os calos de tantas orações ajoelhadas aos pés de santos e santos e santos.

Joaquim, Agnelo, Arnaldo, Adailton e Anchieta Mendes, aquele primeiro o marido, e estes demais os frutos e sobreviventes de uma prole de 12, foram os homens da nossa mãe. Ela trouxe a todos no rolar das contas dos rosários em orações fortes e incansáveis. Estamos vivos, menos o pai, e espero que ainda sob as suas preces. Quiçá que elas durem por muitos e muitos anos. É a tal da morte que nos impõem medo.

Nossa mãe ainda vive e viverá em nossos enlutados dias.

Um beijo pra ela lá no seu firmamento.

Um comentário:

José Cícero disse...

Caro confrade das letras,
A priori nossos votos de pesar profundo. Belo texto escreves acerca da sua genitora.
Letras que agora funcionam com verdadeiro lenitivo para o instante mais dolorosa da vida, o momento da partida - o despertar para a eternidade. O toque reminiscentista do teu artigo é tocante e cativante ao ponto de nos emocionar. Em suma bem demosntra: primeiro o teu apego a construção literária, depois o sentimento de verdade, recordação que com tamnanha pujança consegues transmitir ao leitores. Ainda mais quando na hora da despedida, tentamos escrever e descrever em retrospecto, decerto a figura mais marcante e inesquecível da nossa vida que é a mãe. Que pela vida afora se transformará na nossa memória afetiva e indelével...
Muitas vezes vi a vossa genitora ainda quando o Dr. Arnaldo residia na av. Antonio Rucardo. Silenciosa, sentado no canto da ampla área do jardim, como se contemplace o altíssimo. Pensativa como que compenetrada numa oração interminável. Decerto já doente. Mas seu semblante era de paz, talvez como quem tinha dentro de sim a consciência do dever cumprido para com todos os seus e o bem do mundo.
Depois que o Dr. Arnaldo se mudara, nunca mais a vi. Surpreenido com a notícia do desencarne e mais agora com a foto posta no Blog mergulhei em lembranças e volto a revê-la na minha memória naquela mesma cadeira a olhar para a rua mas com aquela sensação indescritível de que contemplava não os que passavam mas a própria vida, vez que para mim, ela olhava mais para dentro si mesma, com quem olha apenas os que têm o sentimento de mundo na palma das mãos. Os que viveram a vida inteira a serviço de uma causa: o bem ao mundo e o amor maior a sua prole. Mas digamos que ela não morrera como tal se imagina, apenas despertara para a vida verdadeira no andar de cima enquanto entre nós permanecerá igualmente eterna na saudade vez que continuará como semente, aprendizagem e sabedoria em todos os seus...
Um forte abraço caririense
José Cícero
Aurora-CE.