MEUS
PERSONAGENS EM COMPANHIA: CHICO APOLINÁRIO
AS VASSOURAS SUMIRAM
À poltrona novamente. Em uma semana por ter sido
sem tantos alaridos. Nesse tempo, entre uma cidade e outra, gente que sai e
entra, e fala, resmunga e ronca, tentei me encavernar, características de quem
escreve. O mundo lá fora estava em pavorosa por conta das caras encapuzadas, da
visita do Papa, das manifestações vindas de todos os recantos do Brasil. Eu,
por dentro, também precisava sair às ruas, não em revoltas, mas para manifestar
as minhas grandes ansiedades: os meus trabalhos serem publicados. Precisava,
com as tantas páginas nas mãos, subir num púlpito adaptado, bradar com todos os
pulmões as primeiras linhas do meu mais novo romance. Aliás, novos romances.
Pela ordem: Os mortos não mentem; Pão e
Carne e Alquimia.
Assim, nas minhas introspecções, e durante toda
a viagem, ao meu lado sentaram tantos personagens ainda desconhecidos. Cada um
veio com sua força, jeitos e vozes de muito longe. Fizeram-me companhia durante
toda a viagem:
Chico Apolinário foi o primeiro, com seu jeito
carrancudo. Primeiro vociferou porque não podia fumar dentro do ônibus.
Precisava erguer a perna direita até o peito, mas o espaço da poltrona não
permitia. Resmungou, mas enfim conteve-se. Olhou-me com olhos carcomidos, velhos
pelo tempo decorrido, mas ainda penetrantes. “Olhe, não venha você me expor a
contar meus casos. Esse negócio de causo, sei que sou bom nisso, mas o povo não
vai querer saber dessas besteiras” Abri um meio sorriso, e ao tentar rebater o
velho, ele veio com outras: “Você não sabe como é conviver com outros velhos
cheios de artrites, dores, encharcos, tosses e lamentações.”
Apenas balancei a cabeça em afirmativa. Meus
olhos teimavam em fechar, com gosto de sono. Mas o velho não me deixava dormir.
“Olhe, seu moço escritor, um dia eu saio desse seu livro e vou por a boca no
mundo. Vou lembrar-lhe, de um certo causo e que Chico Apolinário aqui não há de
mentir ...”
Chico Apolinário, meus amigos, é um personagem
que gosta de contar das suas. Em “Os mortos não mentem” , conto premiado, fala
pelos cotovelos, mas ninguém costuma dizer se tudo é verdade ou não.
“Na venda de seu Antonio, chegou um freguês.
Tipozinho com gosto de piada na língua. Pediu uma vassoura ao dono da bodega. O
seu Antonio, sem muito se lembrar dos acontecidos, respondeu: Tá em falta meu
rapaz. As vassouras não me vieram deixar a tempo. O rapaz saiu com essa: ‘ È
mesmo seu Antonio, o presidente da Câmara de vereadores comprou todo o estoque
da cidade.’
Seu Chico Apolinário? O velho baixou a cabeça e
riu baixinho. Ficou só na vontade de pitar, sem puder.
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